Eu Não Tava Pronto pro Mothers Of Invention - "Freak Out!" (1966)

 Começo esse review assumindo que comecei errado: ouvi Frank Zappa solo antes de ouvir The Mothers of Invention, graças à indicação do meu grande amigo Luís Felipe (Fox). Mas depois que ele me mandou um vídeo ao vivo da banda, decidi ouvir o álbum de estreia deles, “Freak Out!” (1966).

O álbum começa com uma pegada meio boy band que me fez pensar que seria a direção do disco todo… mas eu estava profundamente enganado. O que parecia uma tentativa americana de copiar os Beatles se revelou algo que, em vários momentos, nem parecia ser dos anos 60 — progressivo, ousado, experimental, desobediente.

Sendo bem honesto: eu nem esperava que tivesse tantos vocais. Esperava um experimentalismo instrumental puro, então já fui surpreendido na primeira faixa — e não foi a última vez. Em vários momentos surgem vocalizações melódicas quando restam apenas o baixo e a bateria. A guitarra, sem surpresa nenhuma, é o centro gravitacional da banda. Aposto que é o Zappa tocando, porque é daquele tipo rasgado, puxado pro agudo, onde dá pra ouvir até o toque da mão na corda. Nada polido, nada limpinho. Totalmente identitário.

Outra coisa que me chamou atenção foi o panning das faixas. Tem horas que a bateria está no centro (como de costume), mas em outras ela está só no lado esquerdo. Tem momentos em que apenas o bumbo fica do lado direito e o resto da bateria no esquerdo. Achei isso chocante — e muito moderno. Inclusive, o timbre do bumbo parece com coisas que eu já ouvi em produções digitais atuais, tipo Kanye West, entre outros artistas pop.

O álbum também brinca com sons humanos: respirações ofegantes que lembram gemidos, imitações de pássaros, sons meio “Diabo da Tasmânia”, e por aí vai. Além disso, há gaitas (que eu sempre amo), e um conjunto de metais — sax, trompete — que dá mais profundidade ainda.

Por vários momentos, me senti em três cenários específicos:

  1. Uma peça de teatro, com o fundo trocando a cada avanço da música.

  2. Uma gangue de motoqueiros cruzando um deserto rumo a um bar (Sons of Anarchy vibes).

  3. Algo meio psicodélico à la The Doors, especialmente por causa do teclado.

Mas o Mothers não vive só de estranhezas. Tem músicas que parecem bandas dos anos 60 cantando em um microfone só, todo mundo bem comportado. Só que essa vibe dura pouco: na música seguinte eles já viram a mesa e lembram que eu não faço ideia do que esperar.

Os monólogos entre faixas funcionam muito bem, seguidos de vocalizações e um reverb que eu juro que usaria hoje nas minhas músicas de trap. Tem gritos, teclados viajados, baixos que seguram tudo e acompanham o teclado, e ruídos de guitarra rasgada que soam como interferências calculadas. Em certo momento ouvi até algo que lembra aquele som do palhaço mímico Mimo Karcocha — aquele apito distorcido que meus tios me ensinaram a fazer com canudo quando eu era criança.

A bateria também brilha: faz viradas que mudam o rumo da música, cria silêncios que funcionam como drops, e tem uma faixa onde eles aceleram o BPM progressivamente. Isso é muito louco pra 1966.

Minhas favoritas foram “Trouble Every Day” e “Motherly Love” — mais radiofônicas e me fizeram dançar sem pensar.

A grande verdade é que os instrumentos são o carro-chefe desse álbum. Ouvindo, só fico mais ansioso pra ver um show deles ao vivo. Se no estúdio eles já soam elétricos desse jeito, imagina num palco?

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O disco inteiro parece um cinema para os ouvidos: sons de coisas quebrando, gritos, instrumentos implorando atenção, vozes que parecem estar dentro da minha cabeça, estalos de dedos, críticas diretas ao sonho americano… tudo misturado numa narrativa sonora extremamente viva.

Tem até sons de macacos e gaivotas em uma faixa, além de diálogos que criam a sensação de cenas acontecendo. E essas cenas são separadas por lados do estéreo, como se o diálogo de um lado não interferisse na paisagem sonora do outro. As vozes se misturam com a sonoplastia e fica aquela dúvida: o que eles queriam dizer com isso?

No final, ainda usam um efeito de voz fininha tipo Alvin e os Esquilos — e eu nem sabia que isso era possível nos anos 60.

Tô doido pra ouvir o próximo disco deles.

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