Em mais um capítulo da minha saga de ouvir os 1001 discos que preciso ouvir antes de morrer, resolvi escolher um nome familiar: Radiohead. O álbum da vez foi Kid A, e aqui estão minhas impressões.
De primeira, a sensação é de estar diante de uma cena eletrônica experimental: teclados e sintetizadores focados em criar ambiência, enquanto o vocal aparece recortado, como se a máquina tivesse bugado. Cada lado do fone entrega uma falha diferente. Não há percussão convencional no início, o que reforça essa estranheza.
Na faixa-título Kid A, a impressão é de uma abdução sonora, como se dados estivessem sendo processados. A voz de Thom Yorke não aparece em potência, mas em murmúrios e gemidos, distorcidos como se viessem de um rádio com interferência. Isso dá ainda mais brilho ao baixo, que entra pela primeira vez. O teclado/sintetizador, por sua vez, soa como um nascer do sol. É uma faixa que apresenta os instrumentos em camadas, e a bateria também carrega esse aspecto “radiofônico”.
Em The National Anthem, a bateria surge pela primeira vez de forma mais convencional, junto ao baixo que novamente rouba a cena. O destaque, no entanto, é o caos sonoro, com metais que lembram o tráfego caótico de uma avenida — algo até próximo da ideia de “Construção” do Chico Buarque. É como se a banda tivesse deixado de lado qualquer preocupação com convenções de mercado.
A mais “normal” até aqui é How to Disappear Completely. Violão e voz em protagonismo, com Thom finalmente sem tantos efeitos até o final. Os sintetizadores simulam violinos, e a guitarra aparece discretamente, com uma distorção suave, quase servindo de apoio. Quando a voz ecoa “I’m not here”, desaparece em meio ao reverb, reforçando o clima etéreo.
Esse disco inteiro parece viver em tensão constante: esperamos uma virada de bateria que não vem, uma explosão que nunca chega. E, ainda assim, conseguimos imaginar uma multidão acompanhando as vocalizações harmônicas em um show. As guitarras são discretas, mas intensas, reforçando os outros instrumentos. Um bom exemplo é In Limbo, onde o dedilhado dá profundidade enquanto as vocalizações funcionam como suporte.
Em Idioteque, o clima eletrônico volta com força total: sem instrumentos orgânicos, apenas batidas picotadas e o vocal usado quase como um sample. É puro underground eletrônico, lembrando até scratches de DJs de hip-hop.
Minha favorita foi Morning Bell: progressão clara, refrão reconhecível, bateria em contratempo e falsetes de Thom que soam como uma confissão. Aqui, o teclado mais grave dialoga bem com baixo e bateria simples. Dá para imaginar essa faixa como uma música de trabalho.
O álbum se encerra com Motion Picture Soundtrack. Sem bateria, mas com a presença fantasmagórica de uma harpa contrastando com timbres que lembram um teremim — como se fossem dois lados de um mesmo sonho.
No geral, Kid A soa como um convite a mergulhar em ondas alfa, ruído branco, ou até uma sessão de downtempo. Um álbum que desconstrói expectativas e prova como o Radiohead estava disposto a reinventar não só seu som, mas a forma de se fazer música no fim dos anos 90.





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