Eu só precisava ouvir esse disco... – Getz/Gilberto

Em mais um episódio da minha lista de escutar os 1001 álbuns que todos devem ouvir antes de morrer, decidi revisitar um disco que já conhecia de longe — tinha ouvido uma ou outra faixa, mas na época, o contexto não ajudou. Preciso dizer: ouvir uma música desse álbum na academia definitivamente não foi uma boa escolha. Só que dessa vez, tudo parecia diferente.

Não sei se fui eu quem mudou, ou se meu estado de espírito estava precisando de obras mais calmas, mas foi uma excelente decisão me permitir ouvir novamente — e completo dessa vez.

Confesso que essa semana começou difícil. No domingo, resolvi beber com uns amigos, passei um pouco do ponto, dei perda total e acordei derrubado na segunda-feira. A sensação era de que aquela seria a pior semana da minha vida. Fiz menos do que o de costume, e a bola de neve foi crescendo até que percebi que talvez eu estivesse me cobrando demais. No fim das contas, eu não sou um robô que faz tudo freneticamente.
Hoje, veio um pensamento: “Vou deixar a música me levar.”
E se soubesse que essa era a melhor opção, teria começado a semana assim desde segunda-feira. É o que vou fazer religiosamente a partir de agora: começar cada semana ouvindo um álbum completo.

O álbum da vez é Getz/Gilberto, fruto da parceria entre o nosso João Gilberto e o saxofonista norte-americano Stan Getz. Ele começa com “Garota de Ipanema”, numa versão diferente da original. Não há o backing vocal feminino coral, o que tira um pouco da alegria que a música tinha — ainda que a Bossa Nova sempre tenha um “quê” de contenção emocional.

Essa versão traz um complemento inédito em inglês, e diferente da de Sinatra, ela combina perfeitamente com a voz sutil de Astrud Gilberto (esposa de João na época). Eu amei a voz dela. Não é potente como Elis ou Ella, mas soa como se tivesse nascido para essa música. Sem ela, a faixa parece incompleta. Não à toa, essa versão venceu o Grammy de Música do Ano em 1965 — tornando Astrud a primeira mulher a conquistar o prêmio.

O álbum é muito bem mixado para a época. Ainda assim, dá pra perceber o que seria aprimorado numa remasterização atual — especialmente o ruído do saxofone, que me pegou de surpresa. Não esperava o instrumento em mono e centralizado, mas conforme o álbum avança, o sax de Getz ganha vida, fala, chora, desabafa. Depois do susto, ele se torna indispensável.
O violão 2x2 da Bossa é previsível e sutil, perfeito para estudar ou acalmar o coração. Mas quando o sax entra com escalas imprevisíveis, o coração precisa confiar no músico.

Há também um piano/teclado que, por vezes, assume o papel do violão, como se teclas e cordas dançassem juntas. E quando o piano se solta, o faz com classe e timidez — minimalista e precioso. Aparece principalmente no lado direito da mixagem, e aquele estilo de tocar denuncia: é Tom Jobim. Não precisei olhar os créditos. O jeito dele é inconfundível e memorável.


A voz de João Gilberto é contida e sucinta, mas quando aparece, tem peso. O mesmo vale para o sax. A presença e a ausência de ambos são sentidas — e isso é pra poucos.

O baixo, tocado por Sebastião Neto, também tem seus momentos de protagonismo. O mérito, nesse caso, vai ao engenheiro de som, pela sensibilidade. O baixo não tem groove e nem precisa: é simples, cordial, e parece ser tocado de olhos fechados, com a alma em outro lugar.

E é com essa obra que meus ouvidos e meu coração parecem ter encontrado paz. Getz/Gilberto me trouxe conforto e sentido.
Minha faixa favorita foi Corcovado, e já consigo imaginá-la num sample.
Eu amo ser brasileiro.
Esse disco parece ter sido feito pra mim — e é incrível como a música ainda exerce poder sobre almas de todas as idades, mesmo 60 anos depois.

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