Antes de começar a falar sobre esse álbum é interessante lembrar que ele me foi sugerido pelo meu amigo Luis Felipe, e Luis é um verdadeiro garimpeiro de discos que eu nunca ouvi falar e tem gostos ligeiramente parecidos com os meus, e que bom que ele me recomendou esse álbum, por dois motivos: 1 - Esse álbum é uma verdadeira pérola da contracultura e 2 - Porque é necessário preparo antes de ouvi-lo, e aqui vão os motivos:
O disco é muito à frente do tempo no sentido de disrupção e ousadia. Em várias músicas ele brinca com o metrônomo e isso particularmente me fez nunca saber o que esperar da próxima música. Não à toa, quando foi lançado em 1967, vendeu apenas cerca de 30.000 cópias em seus primeiros anos e polarizou a crítica – hoje entendo o porquê.
As guitarras com bastante agudo me transportavam para os anos 50/60, a distorção/pedais dela lembravam muito Johnny B. Goode em alguns minutos, até mesmo a levada dela em alguns minutos dançante e em alguns minutos angustiante, como por exemplo nos momentos em que eles deixam a música mais suja e brincam com os arranhões nas cordas e os hammers na frequência do instrumento, parecendo em muitos momentos que estamos em uma intervenção cultural, daqueles de museu de arte contemporânea com coisas esquisitas acontecendo bem na sua frente. Descobri depois que Lou Reed usava afinações alternativas (como a “afinação avestruz”, com todas as cordas na mesma nota), o que explica muito dessa sonoridade.
E o cartão postal do álbum (a capa) é nada mais nada menos do que um quadro de Andy Warhol, e isso por si só já dizia (ou não) o que esperar desse disco. Tendo em vista que Andy era totalmente contracultura e já fez um vídeo dormindo só pra ir contra a linha de raciocínio e a convenção social da época, esse álbum faz o mesmo porém com música. Warhol foi creditado como produtor, mas na prática ele dava liberdade total e segurava as críticas, permitindo que a banda ousasse sem interferência – e isso se sente no resultado.
Os vocais/as vozes desse álbum foi o que mais me chamou atenção, não apenas pela variedade de técnicas e abordagens mas também pela mixagem totalmente no contraponto uma das outras. O reverb me parece ter sido feito para deixar o espectador sem saber se está numa catedral, num estúdio, num estádio... Lou Reed canta de forma mais desapaixonada, enquanto Nico tem uma voz tão única que um crítico da época descreveu como “um violoncelo acordando de manhã”.
O baixo é discreto em certas músicas e em outras ele aparece mais, como se encontrá-lo fosse um tesouro no meio do furacão. E por falar em graves, é interessante que em algumas músicas até mesmo a preocupação em deixar perceptível a sensação da pele do surdo da bateria, como se novamente eles estivessem brincando com nossas frequências.
A bateria apesar de discreta é assertiva, principalmente em se tratando da caixa e do uso complementar das pandeirolas. Sem muitas viradas espetaculares nas músicas, provando mais uma vez que as músicas não se preocupavam em terem pontos altos ou baixos, e sim em proporcionar uma linearidade pro conjunto todo. É como se eles tivessem se preocupado mais com o álbum todo do que em apenas uma música ou outra, e isso é interessante demais. Totalmente no contraponto da época de músicas do TikTok. Não daria para nos acomodarmos com apenas um trecho das músicas, seríamos obrigados a ouvi-la por completo.
Noto também a utilização de violinos na composição das músicas, sem cerimônia por ser um instrumento clássico: ele é tocado com uma urgência maior do que de costume, lembrando às vezes um motor de avião (como o próprio John Cale descrevia). Quando isso acontece, a mixagem da voz é mais comprimida, como um rádio antigo tocando em uma estação clandestina. Xiados feitos com a própria boca simulando um chimbal e tudo mais nesse quesito.
Luis me disse que as letras desse álbum ora falam sobre sadomasoquismo, ora sobre a compra de drogas em um beco norte-americano, então não é um álbum polido ou feito pra vender, o que deixa tudo mais interessante. Ele também comentou que a banda foi uma fusão de um estudante de música clássica (Cale) com um cara que sofreu muito por conta de sua bissexualidade (Reed), e essa combinação explica muito da carga emocional e da estranheza das músicas.
Experimental. Tem bongos, sonoplastia de faca sendo amolada numa pedra e o álbum inclusive abusa do Pan para brincar com o som estéreo. Sempre mantendo a equalização vintage de guitarras antigas. Fascinante, mas repito, é preciso estar preparado para ouvir pois não é convencional. É um disco que não sei se será bom ser remasterizado, pois esse aspecto meio retrô e meio underground moldam a personalidade dele.
Um verdadeiro achado, valeu Luis. E só pra fechar: Brian Eno uma vez disse que “apesar do álbum ter vendido pouco, todo mundo que comprou uma cópia acabou formando uma banda”. Ou seja, não é exagero dizer que esse disco ajudou a moldar o rock alternativo e tudo que veio depois.
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